“Eu e Outras Poesias”
A obra “Eu e Outras Poesias” tornou-se popular devido ao seu caráter original, paradoxal, até mesmo chocante, da sua linguagem, tecida de vocábulos esdrúxulos e animada de uma virulência pessimista sem igual em nossas letras. Trata-se de um poeta poderoso, que deve se mensurado por um critério estético extremamente aberto que possa reconhecer além do “mau gosto” do vocabulário rebuscado e científico, a dimensão cósmica e a angústia moral de sua poesia.
Dimensão cósmica, em primeiro lugar. Augusto dos Anjos centrava no ser humano,
todas as energias do universo que se teriam encaminhado para a construção desse
mistério que é o “Eu”. O Evolucionismo parece encontrar sua transição em versos
como:
“Eu, filho do carbono e do amoníaco”
(Psicologia de um Vencido)
“De
onde ela vem”? De que matéria bruta
Vem essa luz que sobre as nebulosas
Cai de incógnitas criptas misteriosas
Como as ¢estalactites duma gruta?!
Vem
da psicogenética e alta luta
Do feixe de moléculas nervosas,
Que, em desintegrações maravilhosas,
Delibera, e depois, quer e
executa!” ( A Ideia )
Mas a postura existencial do poeta lembra o inverso do cientificismo: uma
angústia funda, letal, ante a fatalidade que arrasta toda carne para a decomposição.
E já não será
Lícito falar em Spencer para definir a sua
cosmovisão, mas no alto pessimismo de Arthur Schopenhaur, que identifica na
vontade de viver a raiz de todas as dores. Fundem-se visão cósmica e desespero
radical produzindo esta poesia violenta e nova na Literatura Brasileira:
Triste,
a escutar, pancada por pancada,
A sucessividade dos segundos,
Ouço, em sons subterrâneos, do Orbe oriundos,
O choro da Energia abandonada!
É a
dor da Força desaproveitada,
O cantochão dos dínamos profundos,
Que, podendo mover milhões de mundos,
Jazem ainda na estática do Nada!
É o
soluço da forma ainda imprecisa…
Da transcendência que se não realiza…
Da luz que não chegou a ser lampejo…
E é,
em suma, o subconsciente ai formidando
Da Natureza que parou, chorando,
No rudimentaríssimo do Desejo! ( O Lamento das
Coisas )
Não se
pode deixar de citar a proximidade de Augusto dos Anjos com Baudelaire, já que
como este o autor de Eu e Outras Poesias canta a miséria da carne em
putrefação. No entanto não existe, no autor paraibano, nenhuma convicção
estética amadurecida, nem, a complacência satanista. Para o poeta, as forças da
matéria, que pulsam em todos os seres e em particular no homem, conduzem ao
Male ao Nada, através de uma destruição implacável: ele é o espectador em
agonia desse processo de degeneração que tem como símbolo – o verme. Como se
pode comprovar nos versos abaixo:
Já o
verme – este operário das ruínas –
Que o sangue podre das carnificinas
Come, e à vida em geral declara guerra,
Anda
a espreitar meus olhos para roê-los,
E há-de deixar-me apenas os cabelos,
Na frialdade inorgânica da terra!
( Psicologia de um Vencido)
Ah!
Para ele é que a carne podre fica,
E no inventário da matéria rica
Cabe aos seus filhos a maior porção!
( O
Deus-Verme)
Se
para a vida (carne, sangue, instinto) o autor interpretou como matéria
pútrida, então qual será a concepção de amor ou de prazer para Augusto dos
Anjos? Existe no poema Queixas Noturnas respostas:
Sobre
o amo:
Sobre
histórias de amor o interrogar-me
É vão, é inútil, é improfícuo, em suma;
Não sou capaz de amar mulher alguma
Nem há mulher talvez capaz de amar-me.
Sobre
o prazer:
Se
algum dia o Prazer vier procurar-me
Dize a este monstro que eu fugi de casa!
Vale registrar
também as divagações metafísicas e a expressão de uma angústia existencial
são as características mais fortes da poesia de Augusto dos Anjos. O sofrimento
nasce da desilusão provocada pela impossibilidade de contar com a solidariedade
humana. É esse o sentimento que sobressai nos versos do seu mais conhecido
soneto.
VERSOS
ÍNTIMOS
Vês!
Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de tua última quimera.
Somente a Ingratidão – esta pantera –
Foi tua companheira inseparável!
Acostuma-te
à lama que te espera!
O Homem, que, nesta terra miserável,
Mora, entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.
Toma
um fósforo. Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.
Se a
alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija!
A crença na quimera
– fantasia, sonho, ilusão – resume a causa para a desilusão humana. No poema, o
eu lírico dirige-se aos leitores para afirmar a impossibilidade de uma vida
feliz. Além da morte dos sonhos, as pessoas estão condenadas a mais
irremediável solidão. Os gestos de solidariedade devem ser vistos como sinal da
desilusão futura. “É esse o contexto que explica o terrível conselho final:”
Escarra nessa boca que te beija!”
PSICOLOGIA
DE UM VENCIDO
Eu,
filho do carbono e do amoníaco,
Monstro de escuridão e rutilância,
Sofro, desde a piogênese da infância,
A influência má dos signos do zodíaco.
Profundissimamente
hipocondríaco,
Este ambiente me causa repugnância…
Sobe-me à boca uma ânsia análoga à ânsia
Que se escapa da boca de um cardíaco.
Já o
verme — este operário das ruínas —
Que o sangue podre das carnificinas
Come, e à vida em geral declara guerra,
Anda
a espreitar meus olhos para roê-los,
E há-de deixar-me apenas os cabelos,
Na frialdade inorgânica da terra!
Obcecado
com a ideia das forças da matéria, que pulsam em todos os seres e conduzem ao
nada absoluto, o poeta usa o verme como símbolo desse processo de decomposição.
A referência ao
“sangue podre” assinala mais uma característica da poesia de Augusto dos Anjos:
o uso de termos fortes e chocantes, muitas vezes associados às funções
corporais ( como o escarro de “Versos Íntimos”). Por essa razão, muitos
críticos da época destacavam o “ mau gosto” do vocabulário como um do defeitos
da poesia do autor.
CONSIDERAÇÕES
GERAIS SOBRE A OBRA EM ANÁLISE
O Poeta de “Eu” é
eloquente. O dramático das suas tensões, que às vezes tende para o trágico do
inelutável, encontra forma ideal em quartetos de decassílabos fortemente
cadenciados, em que são copiosos os versos sáficos, de intensa sonoridade as
rimas ricas e as palavras raras e esdrúxulas. Como atestam os versos:
“Sou
uma Sombra! Venho de outras eras,
Do cosmopolitismo das moneras…
Pólipo de recônditas reentrâncias,
Larva de caos telúrico, procedo
Da escuridão do cósmico segredo,
Da substância de todas as substâncias!” ( “Monólogo de uma Sombra”
)
Entretanto, não se trata
de aceitar certas palavras como poéticas e de rejeitar outras por apoéticas. A
crítica, depois de interpretar a cosmovisão de um artista, não lhe deve pedir
senão uma virtude: a expressividade. E toda expressividade leva, quando
repuxada até às raízes, à invenção, à construção, à formalização. Nessa
perspectiva, é que as palavras serão ou não necessárias esteticamente. Em
Augusto dos Anjos, o jargão científico e os termos técnicos, tradicionalmente
prosaicos, não devem ser abstraídos de um contexto que os exige e
os justifica. Ao poeta do cosmo em dissolução, ao artista do mundo
podre, fazia-se mister uma simbiose de termos que definissem toda a estrutura
da vida ( vocabulário físico, químico e biológico ) e termos que exprimissem o
asco e o horror ante essa mesma existência imersa no Mal.
Ambas as dimensões –
CÓSMICA e MORAL – determinam, assim, a linguagem que lhes é inerente, por isso
o público e a crítica da época, habituados à elegância parnasiana, consideraram
grosseiro e de mau gosto o livro de Augusto dos Anjos. Alguns de seus poemas
são vistos como os mais estranhos de toda a nossa literatura, por vários
motivos. Dentre eles, ressalta-se o vocabulários já mencionado acima, a
multiplicidade de influência literárias (Impressionismo, Expressionismo,
Parnasianismo e Simbolismo ) que dificulta ou mesmo impossibilita sua
classificação estilística, e, principalmente, o desespero radical com que
transforma o fim de todas as ilusões românticas em ema recorrente, bem como a
fatalidade da morte e o apodrecimento inexorável do corpo, a visão do cosmos em
processo irreversível de demolição de valores e sonhos humanos.
A
obra “Eu e Outras Poesias” tornou-se popular devido ao seu caráter original,
paradoxal, até mesmo chocante, da sua linguagem, tecida de vocábulos esdrúxulos
e animada de uma virulência pessimista sem igual em nossas letras. Trata-se de
um poeta poderoso, que deve se mensurado por um critério estético extremamente
aberto que possa reconhecer além do “mau gosto” do vocabulário rebuscado e
científico, a dimensão cósmica e a angústia moral de sua poesia.
Dimensão cósmica, em primeiro lugar. Augusto dos Anjos centrava no ser humano,
todas as energias do universo que se teriam encaminhado para a construção desse
mistério que é o “Eu”. O Evolucionismo parece encontrar sua transição em versos
como:
“Eu, filho do carbono e do amoníaco”
(Psicologia de um Vencido)
“De
onde ela vem”? De que matéria bruta
Vem essa luz que sobre as nebulosas
Cai de incógnitas criptas misteriosas
Como as ¢estalactites duma gruta?!
Vem
da psicogenética e alta luta
Do feixe de moléculas nervosas,
Que, em desintegrações maravilhosas,
Delibera, e depois, quer e
executa!” ( A Ideia )
Mas a postura existencial do poeta lembra o inverso do cientificismo: uma
angústia funda, letal, ante a fatalidade que arrasta toda carne para a decomposição.
E já não será
Lícito falar em Spencer para definir a sua
cosmovisão, mas no alto pessimismo de Arthur Schopenhaur, que identifica na
vontade de viver a raiz de todas as dores. Fundem-se visão cósmica e desespero
radical produzindo esta poesia violenta e nova na Literatura Brasileira:
Triste,
a escutar, pancada por pancada,
A sucessividade dos segundos,
Ouço, em sons subterrâneos, do Orbe oriundos,
O choro da Energia abandonada!
É a
dor da Força desaproveitada,
O cantochão dos dínamos profundos,
Que, podendo mover milhões de mundos,
Jazem ainda na estática do Nada!
É o
soluço da forma ainda imprecisa…
Da transcendência que se não realiza…
Da luz que não chegou a ser lampejo…
E é,
em suma, o subconsciente ai formidando
Da Natureza que parou, chorando,
No rudimentaríssimo do Desejo! ( O Lamento das
Coisas )
Não se
pode deixar de citar a proximidade de Augusto dos Anjos com Baudelaire, já que
como este o autor de Eu e Outras Poesias canta a miséria da carne em
putrefação. No entanto não existe, no autor paraibano, nenhuma convicção
estética amadurecida, nem, a complacência satanista. Para o poeta, as forças da
matéria, que pulsam em todos os seres e em particular no homem, conduzem ao
Male ao Nada, através de uma destruição implacável: ele é o espectador em
agonia desse processo de degeneração que tem como símbolo – o verme. Como se
pode comprovar nos versos abaixo:
Já o
verme – este operário das ruínas –
Que o sangue podre das carnificinas
Come, e à vida em geral declara guerra,
Anda
a espreitar meus olhos para roê-los,
E há-de deixar-me apenas os cabelos,
Na frialdade inorgânica da terra!
( Psicologia de um Vencido)
Ah!
Para ele é que a carne podre fica,
E no inventário da matéria rica
Cabe aos seus filhos a maior porção!
( O
Deus-Verme)
Se
para a vida (carne, sangue, instinto) o autor interpretou como matéria
pútrida, então qual será a concepção de amor ou de prazer para Augusto dos
Anjos? Existe no poema Queixas Noturnas respostas:
Sobre
o amo:
Sobre
histórias de amor o interrogar-me
É vão, é inútil, é improfícuo, em suma;
Não sou capaz de amar mulher alguma
Nem há mulher talvez capaz de amar-me.
Sobre
o prazer:
Se
algum dia o Prazer vier procurar-me
Dize a este monstro que eu fugi de casa!
Vale registrar
também as divagações metafísicas e a expressão de uma angústia existencial
são as características mais fortes da poesia de Augusto dos Anjos. O sofrimento
nasce da desilusão provocada pela impossibilidade de contar com a solidariedade
humana. É esse o sentimento que sobressai nos versos do seu mais conhecido
soneto.
VERSOS
ÍNTIMOS
Vês!
Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de tua última quimera.
Somente a Ingratidão – esta pantera –
Foi tua companheira inseparável!
Acostuma-te
à lama que te espera!
O Homem, que, nesta terra miserável,
Mora, entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.
Toma
um fósforo. Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.
Se a
alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija!
A crença na quimera
– fantasia, sonho, ilusão – resume a causa para a desilusão humana. No poema, o
eu lírico dirige-se aos leitores para afirmar a impossibilidade de uma vida
feliz. Além da morte dos sonhos, as pessoas estão condenadas a mais
irremediável solidão. Os gestos de solidariedade devem ser vistos como sinal da
desilusão futura. “É esse o contexto que explica o terrível conselho final:”
Escarra nessa boca que te beija!”
PSICOLOGIA
DE UM VENCIDO
Eu,
filho do carbono e do amoníaco,
Monstro de escuridão e rutilância,
Sofro, desde a piogênese da infância,
A influência má dos signos do zodíaco.
Profundissimamente
hipocondríaco,
Este ambiente me causa repugnância…
Sobe-me à boca uma ânsia análoga à ânsia
Que se escapa da boca de um cardíaco.
Já o
verme — este operário das ruínas —
Que o sangue podre das carnificinas
Come, e à vida em geral declara guerra,
Anda
a espreitar meus olhos para roê-los,
E há-de deixar-me apenas os cabelos,
Na frialdade inorgânica da terra!
Obcecado
com a ideia das forças da matéria, que pulsam em todos os seres e conduzem ao
nada absoluto, o poeta usa o verme como símbolo desse processo de decomposição.
A referência ao
“sangue podre” assinala mais uma característica da poesia de Augusto dos Anjos:
o uso de termos fortes e chocantes, muitas vezes associados às funções
corporais ( como o escarro de “Versos Íntimos”). Por essa razão, muitos
críticos da época destacavam o “ mau gosto” do vocabulário como um do defeitos
da poesia do autor.
CONSIDERAÇÕES
GERAIS SOBRE A OBRA EM ANÁLISE
O Poeta de “Eu” é
eloquente. O dramático das suas tensões, que às vezes tende para o trágico do
inelutável, encontra forma ideal em quartetos de decassílabos fortemente
cadenciados, em que são copiosos os versos sáficos, de intensa sonoridade as
rimas ricas e as palavras raras e esdrúxulas. Como atestam os versos:
“Sou
uma Sombra! Venho de outras eras,
Do cosmopolitismo das moneras…
Pólipo de recônditas reentrâncias,
Larva de caos telúrico, procedo
Da escuridão do cósmico segredo,
Da substância de todas as substâncias!” ( “Monólogo de uma Sombra”
)
Entretanto, não se trata
de aceitar certas palavras como poéticas e de rejeitar outras por apoéticas. A
crítica, depois de interpretar a cosmovisão de um artista, não lhe deve pedir
senão uma virtude: a expressividade. E toda expressividade leva, quando
repuxada até às raízes, à invenção, à construção, à formalização. Nessa
perspectiva, é que as palavras serão ou não necessárias esteticamente. Em
Augusto dos Anjos, o jargão científico e os termos técnicos, tradicionalmente
prosaicos, não devem ser abstraídos de um contexto que os exige e
os justifica. Ao poeta do cosmo em dissolução, ao artista do mundo
podre, fazia-se mister uma simbiose de termos que definissem toda a estrutura
da vida ( vocabulário físico, químico e biológico ) e termos que exprimissem o
asco e o horror ante essa mesma existência imersa no Mal.
Ambas as dimensões –
CÓSMICA e MORAL – determinam, assim, a linguagem que lhes é inerente, por isso
o público e a crítica da época, habituados à elegância parnasiana, consideraram
grosseiro e de mau gosto o livro de Augusto dos Anjos. Alguns de seus poemas
são vistos como os mais estranhos de toda a nossa literatura, por vários
motivos. Dentre eles, ressalta-se o vocabulários já mencionado acima, a
multiplicidade de influência literárias (Impressionismo, Expressionismo,
Parnasianismo e Simbolismo ) que dificulta ou mesmo impossibilita sua
classificação estilística, e, principalmente, o desespero radical com que
transforma o fim de todas as ilusões românticas em ema recorrente, bem como a
fatalidade da morte e o apodrecimento inexorável do corpo, a visão do cosmos em
processo irreversível de demolição de valores e sonhos humanos.
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